Pages

domingo, 15 de maio de 2011

Aprendiz de Ferreiro - Capítulo 5



Olá pessoal!

Conseguindo uma periodicidade decente novamente! Semanal, pelo menos, rsrs.
Chega agora mais um capítulo da minha série Midseason, baseada na aventura de RPG que ando jogando. O bom é que voltei a jogar, depois de dois meses parado, então a inspiração voltou junto! Além disso, diversão sempre é bom!
Fiquem com mais um capítulo!

Grande abraço e até a próxima batalha!

********************************************************************************************

Na noite que antecedeu a batalha nos muros de Arlia eu fui visitado.

O Sol já havia se escondido atrás das montanhas, e eu estava sentado em um quarto na casa da família do ferreiro da cidade. A palha me servia de colchão, enquanto eu comia uma tigela de sopa e pão, olhando as estrelas através da janela. Trajava apenas calças, de torso nu e descalço, sentindo o vento frio da noite se aproximar.

- Amanhã é o grande dia, Darian.

John estava parado no batente da porta do quarto. As sombras se mesclavam com sua capa e eu realmente admirava a capacidade dos Arqueiros Reais de se camuflarem em qualquer ambiente. Não carregava consigo seu arco longo ou sua sacola de flechas. Trazia apenas as facas embainhadas no cinto. Caminhou até a janela e apoiou as mãos, olhando também para as estrelas.

- Eu quero que você lute na parede do centro. É o nosso ponto mais frágil. As paliçadas não foram o suficiente para reforçar a defesa ali, a luta vai ser aberta, e eu vou comandar o corpo de arqueiros, no flanco direito.

Comi mais uma colherada de sopa e mordi um pedaço de pão. Coloquei a tigela no chão e me levantei, andando até a janela.

- As informações que temos são mesmo confiáveis?

John me olhou de lado.

- São. Interroguei o prisioneiro pessoalmente. São mil guerreiros e quinhentos arqueiros. O resto são escravos, que não vão tomar parte no combate. As armadilhas foram plantadas no campo.

Suspirei.

- Vai funcionar?

John sorriu.

- Melhor funcionar garoto. Não tenho a mínima intenção de morrer por aqui.

Na manhã seguinte acordei antes do Sol nascer. Caminhei até o pátio e fiz meus exercícios matinais. Repeti várias vezes as séries de espada. Ri de mim mesmo. Um garoto com uma espada de madeira em uma parede de escudos. Minha primeira parede de escudos. Alef apareceu no pátio quando eu terminava a série. Meu irmão elfo se aproximou e ele tinha uma felicidade no rosto. Pensando, hoje, Alef nunca acreditou na derrota. Me contou que iria estar sob o comando de John na batalha, compondo o corpo de arqueiros. Deu-me um tapinha no ombro e me perguntou se eu não queria ir pra cama com alguma mulher da cidade.

Sim, ele tinha o dom para me deixar sem graça.

Almocei junto com os soldados que iriam compor o centro. Elias e Bart estavam lá e fiquei contente por isso. Sabia que eram bons lutadores. Após o almoço, cada soldado se ocupou com alguma tarefa, e eu sentei próximo ao ponto que defenderíamos, sobre a grama maltratada, e me concentrei em acertar as amarras da minha loriga de couro e do camisão de cota de malha que eu mesmo havia forjado nos últimos dias. Aparei algumas arestas lascadas de minha espada.

Foi quando ouvi os tambores.

Entrando no vale eu vi os soldados orcs em formação. Vinham chocando suas lanças em seus escudos de forma lenta e ritmada. Alguns Orcs vinham utilizando grandes tambores presos às costas, que faziam retumbar com baquetas que mais se assimilavam à clavas. Atrás de cinco fileiras de lanceiros vinham os arqueiros. Mais atrás vinham os escravos, mais franzinos e cuidando de carroças e suprimentos.

Apenas um cavaleiro.

Vinha à frente do exército, trajando cota de malha e um manto negro de peles. Seu cavalo era cor de piche e era, sem dúvida, o maior cavalo de guerra que eu já havia visto. O cavaleiro orc empunhava uma lança longa na mão direita e portava um escudo à esquerda que lhe cobria do ombro ao joelho, sem qualquer símbolo. Seu rosto era assustador, me lembro. Tinha a pele cinza-esverdeada dos orcs. Suas presas subiam acima dos lábios inferiores de um maxilar prognata. Os cabelos espessos e escuros mais pareciam uma juba leonina, e suas orelhas ostentavam brincos feitos com ossos.

Nossa linha se formou, os escudos se tocando, formando uma sólida parede. Tínhamos aproximadamente trezentos e cinquenta soldados, formados em duas fileiras apenas. Nossos arqueiros estavam posicionados à lateral dos muros e sobre eles. Tínhamos apenas trinta cavaleiros, reforço mandado por Ibelin. Eu queria ali o corpo de artilheiros de minha cidade, mas não foram enviados. Mais tarde vim a saber que haviam também problemas ao sul.

Os orcs avançaram, e eu me lembro de poucos detalhes da batalha. Quando as paredes de escudos se tocam, o mundo externo deixa de existir. O espaço é apertado, um escudo colado ao outro, roçando no escudo de seus inimigos. Na parede de escudos eu descobri que a guerra se trava na borda inferior deles. Perdi a conta das estocadas que passaram por baixo dos escudos e cortaram calcanhares ou tornozelos.

Lembro-me de ter matado talvez três ou quatro orcs, acertando seus crânios com força, nas raras ocasiões em que pude brandir a espada com um pouco mais de espaço. Feri mais alguns e não consegui fazer mais nada enquanto as paredes estavam unidas.

Ouvi os tambores tocando em outro ritmo e soube que os reforços, a terceira e quarta linha de orcs vinha se juntar à batalha. Estaríamos acabados. Mal conseguíamos segurar as linhas que nos atacavam. Tínhamos matado mais que eles, mas mesmo assim seus números continuavam maiores que os nossos. Temi, e senti o temor se espalhar pela linha de defesa do centro.

Foi aí que nossa sorte mudou.

Vi chamas enormes irromperem no meio do caminho entre a linha de frente dos orcs e seus reforços. Muitos orcs queimavam e nossos cavaleiros deixaram a segurança dos muros e avançaram rumo à matança.

Nossos cavaleiros atacaram os reforços dos orcs pelo flanco, causando o caos e morte. Nos aproveitamos da vantagem e do ânimo renovado e conseguimos quebrar a parede de escudos dos orcs à nossa frente. Matamos naquela tarde. Não mortes bonitas como cantam os bardos, mas as mortes sujas, em meio a confusão de uma debandada de guerreiros derrotados. Soube, horas mais tarde, que nesse momento os escravos orcs debandaram, e seu líder observou, impotente, sem poder deslocar sua reserva para perseguí-los pelo campo. A luta se demorou pouco mais. Avançamos pelo campo e cercamos os cem orcs que restavam. Mal podia acreditar na vitória que havíamos conquistado.

Mas eu era ingênuo e não sabia que orcs, em geral, lutam até o último vivo.

Cercados e acuados como um grande predador ferido, os orcs avançaram em nossa direção. Tinham cercado seu líder para protegê-lo, mas agora atacavam como bestas enraivecidas. Lutamos naquele campo e perdemos cerca de trinta bons homens antes de conseguirmos refrear os orcs. Sobravam ainda cinquenta inimigos, feridos, mas ainda aguerridos. Perderíamos muito mais homens se aquela situação continuasse.

Foi então que talvez eu tenha sido tomado pelo meu primeiro rompante de loucura.

Avancei sozinho, me destacando da parede de escudos que havíamos formado. Bradei em alto e bom som, para ser ouvido por todos naquele campo de batalha.

- Líder Orc! Vocês lutaram bem hoje, e não precisam morrer todos aqui. Lute comigo agora, eu o desafio! Vencendo ou perdendo, seus homens serão poupados. Se me derrotar, poderão sair desse campo hoje. Se for derrotado, serão feitos prisioneiros, mas tratados com dignidade.

Ainda hoje não sei o que se passava pela minha cabeça naquele momento. Alef me contou que, quando ouviu aquilo, pensou que eu realmente tinha enlouquecido totalmente. O líder orc avançou em minha direção. Abandonou o escudo e brandiu a lança com as duas mãos, aceitando meu desafio.

Meu pai certa vez tinha me dito que você precisa ser três vezes melhor que um homem com uma lança se quer derrotá-lo. Naquela tarde eu aprendi a verdade daquelas palavras.

O líder orc estocou com sua lança e, embora eu tivesse conseguido me esquivar, estava muito longe para contra-atacar e fui alvo de outro ataque. Fui acuado e obrigado a me esquivar de seis ou sete golpes seguidos. Uma varredura quase me derrubou e teria sido meu fim. Arrisquei um golpe, que foi aparado com desdém pelo líder orc. Ele avançou e estocou mais duas vezes e fui forçado a aparar com a espada e o escudo.

Meus movimentos ficavam cada vez mais lentos. Estava cansado e ele realmente era muito mais preparado que eu. Pensei que seria derrotado ali. Dois ataques passaram muito próximos da minha garganta e do meu cotovelo. Ataquei novamente, sem sucesso. O líder orc lia meus movimentos com facilidade. Sentia que ele se divertia com o temor que estava me causando, e sua frustração naquele campo estava se tornando um prazer cruel. Enfrentava, aos seus olhos, uma criança insolente, e queria castigá-la.

Eu mal conseguia ficar de pé. Saltava de um lado para o outro, mas minhas forças estavam se exaurindo. Mais cedo ou mais tarde eu seria atingido.

Não fazia idéia que isso selaria minha vitória.

Mal consegui ver a estocada. Tinha alvo certo, meu coração. A ponta da lança bateu em meu escudo, resvalou alguns centímetros para baixo, atingindo o ponto exato sobre meu coração. Uma exclamação subiu em meus companheiros de batalha, enquanto que um urro de triunfo partiu dos orcs restantes.

Mas meu pai tinha me ensinado a ser um bom ferreiro.

A ponta da lança atravessou couro e tecido, mas parou entre os elos da cota de malha que eu havia forjado. Me aproveitei do momento de surpresa do líder orc, e desferi um golpe,segurando o cabo da espada com as duas mãos e baixando-a com toda minha força.

Duas coisas se quebraram naquele momento. Minha espada e a perna direita do líder orc, que tombou no campo, sem conseguir conter a dor e a decepção. Tinha sido derrotado por uma criança, e seus soldados seriam feitos prisioneiros.

Uma ovação partiu de meus companheiros, enquanto eu levantava o braço da espada em triunfo, segurando o cabo e os vinte centímetros da lâmina que haviam sobrado.

Prendemos os orcs e o líder foi levado para ser interrogado por John. Alef me abraçou, me chamou de louco, e depois caminhamos de volta para a cidade, onde fui abraçado por Adrianna, a jovem que eu e meu irmão tínhamos salvo na floresta. Ela beijou meus lábios e me deu um cordão de prata, com uma jóia esmeralda engastada. Era rústico, mas muito bonito, e ela me forçou a aceitar o presente.

Naquela noite, celebramos a vitória com gosto e, na manhã seguinte, partiríamos de volta para Ibelin. Acordei cedo, como em todas as manhãs, e, ao invés de cumprir minha rotina de exercícios, resolvi caminhar no campo de batalha.

A desolação era imensa. Corpos de quase um milhar de orcs jaziam mutilados e apodrecendo. Soldados conhecidos e desconhecidos dividiam o espaço do chão frio. Caminhei por ali, pensando no dia de ontem. A fúria da batalha, o prazer de vencer um inimigo. A sensação de tirar uma vida. Todos sentimentos conflitantes.

Até que um orc morto chamou minha atenção. Em seu pescoço, um cordão com pingente, sujo de sangue. Um símbolo ancestral.

O Lobo negro com quatro asas.

O símbolo do Deus da Morte.

Minha vitória tornou-se opaca. O pior ainda estava por vir.

Continua...