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terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

Histórias da Taverna



Olá pessoal!

Cá estou eu para mais uma postagem nesse novo espaço. O guerreiro vai dando um passo após o outro, e ganhando alguns pontos de experiência, umas peças de cobre, essas coisas. Quem acompanhava meu antigo blog deve se lembrar de uma seção onde eu abria espaço para colaboradores. Esse espaço, aqui, será intitulado "Histórias da Taverna", bem no clima de aventura de RPG medieval onde os players SEMPRE acabavam na taverna, ouvindo as histórias do velho louco. Vou inaugurar com um conto de minha autoria, mas, posteriormente, estarão aqui histórias de colaboradores, se tudo correr bem.

Movido pelo espírito de treinamento e evolução, resolvi resgatar algo do meu passado (na verdade, uma das coisas mais maneiras do meu passado e que será uma parada muito maneira no meu futuro) e criar um pouco com isso. Assim surgiu esse pequeno Spin Off. Alguns leitores vão reconhecer esse tão querido personagem. Outros ficarão sem saber muita coisa. Mas, prometo, mais pra frente, durante esse ano de 2011, você conhecerão mais sobre ele e muitos outros.

Um grande abraço para todos, fiquem com a história do velho louco, e até a próxima batalha!

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Nove anos. Essa era a idade do jovem que corria pela trilha bem cuidada que cortava um pequeno bosque. Pequeno para os outros mas para o garoto era um mundo. Era talvez a vigésima vez que fugia da biblioteca que havia na mansão onde morava e desatava a brincar entre as folhas. Odiava, com toda a força que uma criança consegue reunir para isso, aquele lugar enclausurado e com cheiro de livros velhos.

Não conhecia seu pai. Nunca o vira. Sua mãe era uma mulher de nobreza, filha de um casal de ricos senhores de terras. O garoto era um bastardo. Amava isso. Nobres e comerciantes estão presos aos destinos de suas castas. Via seus parentes sendo obrigados a seguir o protocolo, a usar todos aqueles inúmeros talheres nos jantares, vestir as roupas cheias de babados e ficarem sentados durante aquelas horas que pareciam não passar nas audiências. Um bastardo era livre. Mesmo que sua mãe quisesse que ele vivesse os livros.

Galdar, o mago que servia a família, o perseguia, ao longe. Velho como estava, o elfo já não tinha o vigor necessário para acompanhar o moleque. Sua mãe insistia que o jovem se tornasse um mago, uma posição respeitada dentro do reino, alcançada apenas através de muito estudo e dedicação.

O garoto já vira vários magos na cidade. Magos em sua família. Sujeitos imponentes, é verdade, mas tão... rígidos. Tão chatos, pra falar a verdade. Enfurnados em seus robes, carregando seus cajados. Sérios. Enclausurados em suas bibliotecas e academias. Chato, chato, chato.

O garotinho correu por mais alguns metros bosque adentro, até chegar ao seu local predileto, o velho cedro. Alto como uma montanha e largo como uma colina, o garoto adorava escalá-lo. Seus galhos mais baixos se curvavam quase até tocar o chão, facilitando em muito a vida da criança. Subiu pelos galhos até chegar na metade da árvore. Era o máximo que conseguia. Dali em diante, sempre tentava subir mais um galho, mas não conseguia.

Aconchegou-se em um dos ramos mais largos e tirou do bolso a pedra vermelha que tanto o perturbava. Tinha visto a gema na biblioteca quando, noites atrás, sua mãe a guardara em um cofre disfarçado de livro, pensando que ninguém a vira. Nessa época, o rapazote já tinha a capacidade de se mover fora das vistas das pessoas. Quando chegou até o cofre, não sabia a combinação, mas foi só tocá-lo que ele se abriu. A criança pegou a pedra e correu, sendo perseguido pelo velho elfo.

A gema parecia-lhe preciosa. Era uma esfera perfeita, brilhante e vermelha como sangue ou fogo, ainda não tinha se decidido. E era quente ao toque. Lembrava-lhe o calor da lareira ou algo assim, lhe confortava. Por que teria sua mãe escondido a jóia dessa forma?

Isso, devia ser uma jóia valiosa, e sua mãe a estava protegendo. Droga, Galdar estava quase chegando. Teria de acompanhá-lo de volta aos livros. Não que tivesse muita escolha, pois o velho mago usaria um de seus truques para fazer o vento carregar o garoto da altitude da árvore até o solo em segurança. Dali, uma bronca enorme de sua mãe.

Foi então que a rotina de sempre foi quebrada. Três figuras mascaradas surgiram por entre as árvores. Uma delas carregava uma garrafa de vidro com um pano saindo do bocal, enquanto os outros dois carregavam facas de caça. Pego de surpresa, o velho mago foi ferido na perna e caiu, contorcendo-se de dor. O mascarado com a garrafa tacou-a no velho cedro, iniciando um incêndio.

O garotinho se desesperou por um instante e quase caiu da árvore. Enfrentava um dilema perverso. Mantinha-se longe do solo e seria queimado pelas labaredas, cada vez mais altas, ou caía de uma altura da qual certamente teria as pernas e algumas costelas quebradas. Não conseguia, de forma alguma, se decidir.

Ouvia as gargalhadas dos mascarados. Um deles chutou o velho Galdar na lateral do tronco e na cabeça, deixando-o inconsciente. Os outros dois gritavam pra ele. Xingavam-no. Bastardinho, filhote de elite. Mestiço. O rapaz não entendia muito bem o que queriam dizer.

Quis chorar. Quis gritar por socorro, chamar sua mãe. Mas eles iriam rir mais, sabia. Olhou para os lados procurando uma saída. As chamas estavam se aproximando cada vez mais. Sentiu medo, muito medo. A fumaça era tão densa que não mais via os mascarados, apenas ouvia suas vozes, seus gritos, suas gargalhadas.

A primeira labareda tocou-lhe o braço direito. O garoto gritou, mais de susto que pela dor, propriamente dita. Outras línguas de fogo vieram se juntar à primeira, engolfando a criança por completo. Gritou com toda a força de seus pulmões e caiu sem controle, atingindo o solo como um galho partido.

Os mascarados mal tiveram tempo de reagir quando dois feixes de chamas se projetaram da massa flamejante que era o garoto e atingiram em cheio o peito do homem que, momentos antes, tinha atirado a garrafa. Outra língua de fogo se projetou, varrendo pelas pernas um dos mascarados, que deixou sua faca cair no chão. O terceiro começou a correr em desespero, mas foi engolido pela terceira projeção ígnea, que se esticou como um tentáculo e o envolveu, carbonizando-o.

As chamas se extinguiram. Todas. O velho cedro estava danificado, mas iria sobreviver. O mago elfo estava ainda inconsciente, mas não havia sido tocado pelas chamas. No centro do gramado chamuscado, o garoto. Intacto e inconsciente.

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-Já é hora de contar a verdade pra ele, não acha?

Sentada na cama, a mulher afagava os cabelos do garoto, ainda inconsciente. O homem que havia proferido a pergunta estava na casa dos cinquenta ou sessenta anos. Tinha os cabelos grisalhos e vestia uma jaqueta de couro, uma camisa preta e calças de couro com botas de cano alto. Ao seu lado, um lobo. Via-se, entretanto, que não era um lobo comum. Ao seu corpo lupino somavam-se muitos músculos e uma juba, como a de um leão. Era totalmente branco e um de seus olhos havia sido arrancado por algum animal, sobrando-lhe apenas cicatrizes naquele lado da face.

-Ele ainda é muito pequeno, Vargas. Muito pequeno. Ainda não é hora dele saber tudo, por favor.

O homem assentiu.

-Talvez esteja certa, Senhora Galford. Talvez. No entanto, peço para que ceda o rapaz à minha tutoria. Ele precisa ser treinado e acho que a senhora já percebeu que ele não será um mago.

Foi a vez da mulher assentir.

-Certo Vargas. Quando ele acordar, você pode tomá-lo sob sua guarda, e treiná-lo da forma que achar melhor.

Acariciou os cabelos do rapaz mais uma vez, sorrindo-lhe com ternura.

-Meu pobre filho. Tanta coisa o aguarda.

O homem virou-se, deixando o aposento, sendo seguido pelo Meio-lobo branco.

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O garoto estava sentado, no meio da clareira onde ainda se mantinha de pé o velho cedro. Agora carente de alguns galhos e com alguns ramos enegrecidos pelo fogo, mas ainda de pé. O homem olhou-o da cabeça aos pés. Via o menino animado como nunca antes. Mandara que o rapaz abandonasse os robes que usava pra estudar magia. Precisaria de roupas mais adequadas no treinamento ao ar livre.

O garotinho usava calças de um tecido que não conhecia, mas era grosso como couro, mas fosco, e azulado. Uma camisa branca de algodão e uma jaqueta de couro preta. Era um pouco grande para ele, por isso o menino dobrou as mangas da jaqueta até os cotovelos. Calçava sapatos de couro, com placas pesadas de ferro nos peitos dos pés, o que o fazia se sentir um tanto pesado e desajeitado. E calçava luvas pesadas de couro preto, com placas de ferro no dorso das mãos, igualmente pesadas.

Ao redor do pescoço, um cordão de ferro frio, com um pingente. A jóia vermelha. Sua mãe lhe dera o colar pouco antes de enviá-lo ao bosque. Pouco antes de lhe dizer que seria treinado por Vargas.

Sorria, animado. E foi com um sorriso no rosto que ouviu aquelas palavras saírem dos lábios de seu novo mentor. Aquelas palavras que iriam mudar sua vida para sempre.

-Kenneth Galford, está na hora do seu treinamento começar.


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PS: Este é Kenneth Galford, personagem que eu joguei durante bastante tempo em minha mais saudosa mesa de RPG, e que hoje tornou-se maior que o jogo. Na época desse desenho ele tinha 14 para 15 anos.